11/09/2020

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por: Editorial Blanchet

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Categorias: Artigos

O papel do conselho de administração do futuro para criar a cultura de empresa inclusiva

Série de artigos do GT Conselho do Futuro debate temas que contribuem para a efetividade dos boards

Muito vem sendo discutido nas reuniões do GT do conselho do futuro no IBGC sobre qual será o papel do conselho de administração no futuro relativo à inclusão da diversidade no âmbito empresarial.

Claro que ao falarmos de conselho de administração do futuro, ainda que de um futuro próximo como 2030, por exemplo, estamos sendo no mínimo especulativos. Todavia, estaremos sendo especulativos com base informacional para tanto.

As tendências apontam para uma sociedade progressivamente mais ativista, que estará, no futuro, mais atenta do que nunca para as empresas que vão se destacar nessa questão, demonstrando um compromisso sério com a ética e fomentando a justiça social.

No primeiro artigo desta série, concluímos que todas as macrotendências relevantes indicam claramente que algum pilar de diversidade estará presente no conselho de administração do futuro. Em um mundo cada vez mais volátil, globalizado e ativista, será difícil encontrar mais espaço para conselhos de administração padronizados e homogêneos. O artigo apresentou pesquisas sérias que demonstram, também, a maior probabilidade, para as empresas que incluem a diversidade, de obter uma melhor performance e eficiência competitiva.

Mas para isso, não basta que o board abrace a causa e ele mesmo proponha à assembleia a inclusão de diversidades no conselho. É necessário que a organização como um todo se envolva e se engaje nessa causa, somente assim a diversidade e a inclusão serão uma realidade e deixarão a etapa de “window-dressing”. 

É preciso que a organização, nos vários estágios da sua estrutura, incorpore como própria a aceitação da diversidade sem preconceitos nem rejeições, como algo natural. O “diverso” deve se sentir acolhido, pertencente ao grupo humano da empresa, tal como qualquer outro indivíduo. Só dessa forma a inclusão da diversidade terá sustentabilidade na organização como um todo.

E o conselho do futuro terá que estar à altura de tal desafio. No bom e velho jargão, muito utilizado pelos profissionais de compliance, “o tom vem do topo”. Ou seja, deve o conselho de administração incluir como estratégia de crescimento do negócio uma mudança cultural e transformacional profunda visando à inclusão da diversidade, não só nas categorias de trabalhadores ou colaboradores da base, mas também nos altos cargos executivos de gestão e liderança. Nesse sentido, o conselho de administração deve liderar a mudança, sendo o exemplo e o fomentador da inclusão da diversidade como estratégia de negócio.

Como afirma John P. Kotter¹: “A transformação de uma organização requer sacrifício, dedicação e criatividade”. Várias ações poderão ser tomadas pela empresa com base nas decisões estratégicas do próprio conselho de administração visando a uma mudança cultural empresarial profunda, tais quais:

  • Criação de uma coalização administrativa que pode incluir, por exemplo, a constituição de um “comitê de diversidade”, obviamente composto de pessoas convictas, com credibilidade e tecnicamente preparadas para auxiliar o conselho de administração nessa transformação cultural; essa coalizão deve ter representantes – formadores de opinião – nos diferentes níveis da organização, que serão detectados e convocados para esta causa.
  • Difusão de conhecimento, treinamento/educação e conscientização: deverá o conselho de administração estimular a organização a investir em ações de conscientização sobre a aceitação da diversidade e a inclusão, assim como em ações de marketing e comunicação tanto internas como externas. Como em muitas outras atividades da empresa, a boa comunicação, clara, constante e direta é fator de sucesso;
  • Estabelecimento de metas específicas para a diversidade, o que implica um modelo de mensuração, e apoio à criação de bonificações para os executivos que atinjam essas metas de inclusão da diversidade nos quadros da empresa;
  • Avaliação da conveniência da constituição de “shadow boards” compostos de colaboradores mais jovens e diversos, que têm a oportunidade de se destacar e, ao mesmo tempo, contribuir para uma eventual modernização e adaptação da empresa para os novos tempos, com base na diversidade de pensamentos e de visão geracional;
  • Estímulo da contratação de consultoria de diversidade e inclusão externa, mentorias e coach;
  • Apoio à busca da inclusão da diversidade em toda a organização empresarial. Para isso, não basta apenas a contratação de mão de obra diversa, é preciso preparar o ambiente para receber essas pessoas e fazer com que elas se sintam acolhidas e representadas. Assim, melhora o clima organizacional, e por consequência também a produtividade.
  • Incentivo à diretoria executiva para que identifique prováveis obstáculos para a incorporação da nova cultura de inclusão que se pretende implementar.  Seja por resistências ativas por parte de gerentes, supervisores, ou de unidades inteiras, seja por resistências passivas (essas as mais difíceis de detectar) que se traduzem em lentidão e dificuldades para assimilar os novos colegas “diversos”. Esses obstáculos deverão ser eliminados, sobretudo para que a organização inteira compreenda que não tem volta. Vale também como aprendizado para os novos entrantes, diversos ou não.

Essas são algumas, dentre diversas outras, formas de se trabalhar o tema com seriedade pela empresa.

O conselho de administração do futuro, assim como no presente, continuará a prezar pela qualidade dos seus conselheiros, que deverão ser indicados e nomeados em virtude do que podem efetivamente agregar ao negócio da empresa e não apenas porque integram um ou outro pilar da diversidade. O desafio, porém, será apurar o olhar para enxergar no diverso um valioso asset para o conselho, na medida em que o “normal” é o ser humano buscar a qualidade entre pares e semelhantes, resultando daí a suposta escassez de profissionais qualificados dentre os diversos pilares da diversidade.

Alguns pilares da diversidade como gênero, por exemplo, estarão mais avançados que outros no futuro, pois costumam ser mais debatidos e abraçados pelas empresas. Não podemos, porém, esquecer os outros pilares e o fato de que alguns demorarão mais a avançar, ainda mais se levarmos em consideração o fato de que a desigualdade social brasileira no mínimo permanecerá igual ou até mais acentuada em um cenário pós-crise resultante da pandemia global da Covid-19. Ainda se tem muito a avançar no que diz respeito à inclusão da diversidade, para além dos pilares usualmente trabalhados nas empresas.

O conselho de administração, como guardião da estratégia empresarial, tem papel primordial nessa missão, cabendo a ele conduzir as empresas a uma mudança cultural profunda que reflita na gestão de pessoas a inclusão da diversidade. No conselho de administração do futuro a diversidade será o “novo normal”, o natural, mas ainda temos um longo caminho a percorrer.   Encontrar a “diversidade certa” para a composição do conselho de administração do futuro certamente será o grande desafio a ser vencido, tema sobre o qual falaremos em nosso próximo artigo.

¹Kotter, John P. Liderando mudanças, transformando empresas com a força das emoções. Editora Alta Books, 2017.

Por Gabriela Blanchet e Alberto Messano